Opinião: o mito Sporting

O Sporting de José Peseiro é um dos mais curiosos fenómenos do futebol português da última década. Tudo começou no inicio do ano passado: com um plantel desiquilibradissimo, onde se notava a falta de defesas de qualidade e de extremos, Peseiro foi forçado a tirar partido daquilo que o plantel tinha de melhor, ou seja, a abundância no centro do terreno, tanto em qualidade como em quantidade. O Sporting passou assim a jogar um futebol de posse de bola, tentando, com paciência e cabeça, compensar a falta de objectividade e velocidade do seu jogo e abrir os espaços que, normalmente, seriam conseguidos pelas movimentações e velocidade dos extremos. Assim, tornou-se normal ver o Sporting com 60/70% de posse de bola, embora sem um número de oportunidades de golo equiparável, já que esta posse de bola era, de certa forma, ilusória. José Mourinho chegou a dizer que, com este estilo de jogo lento e paciente, o Sporting parecia uma equipa envelhecida.

Mas a coisa não resultou mal e arrisco que era muito dificil conseguir melhor: o Sporting (com sorte, mas também com mérito), esteve perto de conseguir um histórico triunfo na taça UEFA e esteve na luta pelo campeonato até perto do final. Ironicamente, o jogo lento, de muita posse de bola, que inicialmente era uma consequência das limitações do plantel, passou a ser uma imagem de marca. Os sportinguistas convenceram-se que jogar bem futebol é ter muito tempo a bola no pé e nasceu assim o mito do "melhor futebol da Europa". Apesar do jejum de troféus (que não constituiu surpresa, dadas os desiquilibrios já referidos), o Sporting acabou por terminar a época envolto numa aura positiva. Peseiro também contribuiu para isso com as suas conferências de imprensa quase autistas, onde os bons resultados eram sobrevalorizados e os maus eram invariavelmente atribuídos a factores externos (falta de sorte e arbitragem, os mais frequentes) e onde o sporting aparecia sempre associado a conceitos tão positivos como "qualidade" ou "espectáculo".

Este ano, demonstrando estar perfeitamente consciente das limitações do seu plantel, Peseiro procurou dispôr de um conjunto de jogadores mais equilibrado, onde existissem mais soluções para as alas (daí a insistência em Wender, Manoel e até Edson), que lhe permitissem desenvolver um estilo de jogo mais rápido e mais largo, capaz de enfrentar as "bestas negras" do ano passado, ou seja, as equipas que entregam a iniciativa do jogo, fecham bem o centro, tirando vantagem do afunilamento do jogo causado pela ausência de elas e apostam tudo no contra-golpe. Infelizmente para o Sporting, Manoel não era o que Peseiro esperava e foi dispensado, Wender não veio por contingências financeiras e, ainda pior, acabaram por perder uma peça importante na defesa e 2 jogadores importantes na capacidade técnica acima da méda que o meio campo apresentava no ano passado (Hugo Viana e Pedro Barbosa) .

Ou seja, o Sporting deste ano, não só mantém os problemas do ano anterior (falta de alas), como agora tem menos qualidade defensiva (mercê da ausência não colmatada de Enakarhire) e um meio campo menos forte tecnicamente (com a saída de Barbosa e Hugo Viana, sobram Rochemback e o intermitente Carlos Martins para os toques de criatividade), embora ainda de qualidade. Para piorar, o grande desiquilibrador no ano passado - Liedson - parece não se encontrar na sua melhor forma.

Mantém-se contudo o discurso autista - é de homem vir dizer que o Sporting merecia passar a eliminatória, como fez Peseiro, depois de 2 derrotas em 2 jogos, sendo que numa delas só a sorte impediu o massacre- mas será que também se mantém o mito?