Modelo de governo
Ontem estive ao telefone com Jorge Valdano. Acontece algumas vezes, quando a urgência do contacto excede a habitual condescendência temporal a que estamos obrigados, enquanto esperamos por uma resposta a um email enviado. Tenho na minha cabeça organizar brevemente um conjunto de palestras, com grandes nomes do futebol mundial, trazê-los a Portugal e colocá-los perante o desafio da futura governação clubística. Jorge Valdano é a primeira dessas personalidades que convidei para vir a Portugal.
Ontem estive ao telefone com Jorge Valdano. Acontece algumas vezes, quando a urgência do contacto excede a habitual condescendência temporal a que estamos obrigados, enquanto esperamos por uma resposta a um email enviado. Tenho na minha cabeça organizar brevemente um conjunto de palestras, com grandes nomes do futebol mundial, trazê-los a Portugal e colocá-los perante o desafio da futura governação clubística. Jorge Valdano é a primeira dessas personalidades que convidei para vir a Portugal.
Quando falo com Jorge Valdano desde logo existe uma empatia pessoal que se aprofundou à medida que ele foi conhecendo o meu madridismo – já fui sócio do Real Madrid – e eu fui-me apercebendo do seu gosto pelo Benfica – “adorava Chalana e o que ele fazia com o seu pé esquerdo” e mais recentemente “ senti-me um apoiante do Benfica, por causa do meu amigo José Veiga” – até ambos ajustarmos as nossas ideias num sentimento comum. Ambos gostaríamos que o Benfica e o Real Madrid fossem as maiores potências do desporto ibérico.
Aliás, agora que Jorge Valdano está de regresso ao Real Madrid, o que se confirmará após a aguardada eleição de Florentino Pérez ao maior clube do século, deixo-me extasiar pela ideia de que, talvez um dia, Jorge Valdano e José Veiga – regressando ao Benfica - possam realizar, em cada um dos clubes, um projecto comum no âmbito do futebol europeu e que fariam do Real Madrid, do Benfica e de alguns outros clubes europeus a verdadeira locomotiva do progresso no futebol.
Não estou autorizado a divulgar a ideia e o seu conceito, mas de facto, confirmei o enorme engano em que o futebol permanece situado, enquanto é gerido como negócio e por pessoas exteriores ao negócio. Em Portugal, por exemplo, sempre achei muito curiosa a estranha tendência para os presidentes de clubes dividirem entre si uma inexplicável simpatia pelo negócio imobiliário. Mas será que existe alguma coisa no genoma humano dos empresários da construção civil que os recomende imediatamente para a gestão de um clube de futebol?
O futebol, urgentemente, precisa de uma mudança de paradigma.
O Benfica, por exemplo, há mais de vinte anos que discute o seu modelo de governo. Até hoje foram ensaiadas as mais variadas hipóteses, com Jorge de Brito, Manuel Damásio, Vale e Azevedo, Manuel Vilarinho e Luis Filipe Vieira. Em relação a Jorge de Brito, podemos dizer que foi um dos presidentes mais injustiçados da história do Benfica, pois os sócios do clube rapidamente esqueceram o seu mecenato clubístico que poupou aos sócios e adeptos grandes humilhações. Numa opinião pessoal foi o último grande presidente do Benfica, de uma linhagem riquíssima, mas que devido a uma personalidade misógina acabou sozinho e traído pelos seus pares. De Luis Filipe Vieira guardarei sempre a ideia de um presidente que se afastou sempre deste paradigma sócio-presidencial, mas que levantou o clube numa altura difícil. Porém, todos eles, nunca foram os presidentes que o Benfica precisava, pois em vinte anos o Benfica perdeu prestígio, hegemonia e a sua caracterização de clube vencedor.
A minha conversa com Valdano e a sua referência a este modelo de governo aprofundaram ainda mais as convicções que tenho de que o Benfica tem de virar a agulha. O Benfica tem dois sócios e adeptos que se ajustam a este novo paradigma e perfil presidencial. Vou começar por Rui Costa. É o presidente em quem os meus filhos irão votar, daqui a alguns anos. Eu próprio votarei. Mas tem de resistir ao veneno do deslumbramento. Como sabem, no futebol a pressa pode estragar tudo. Rui Costa a presidente no futuro, é sinal de inteligência, Rui Costa a presidente em Outubro é sinal de pressa. E a pressa no futebol pode matar. Se Rui Costa avançasse já para a presidência do Benfica, não seria a solução que promete vir a ser no futuro. Seria rapidamente o problema. Os benfiquistas não podem fazer com Rui Costa o mesmo que o clube fez com José Mourinho e José Veiga. Disse-me Jorge Valdano: «O Benfica devia ter resolvido o seu problema desportivo, com Mourinho ou com Veiga.». Vamos fazer com Rui Costa a mesma coisa?
Por isso é que sempre defendi a manutenção de Rui Costa nas suas actuais funções, independentemente do presidente eleito em Outubro, porque o seu estágio presidencial tem de ser feito no clube e não fora dele. Além do mais, vejo no perfil de Rui Costa um futuro presidente do Benfica mas num ambiente de completa purificação desportiva. Até lá, espera o Benfica e o próximo presidente do clube, uma enorme batalha pela desmontagem do presente sistema de favorecimento de um clube em relação aos outros.
Por isso, igualmente, a mudança de paradigma. Os benfiquistas suplicam todos os dias pelo extermínio das condições que em Portugal favorece a permanência de um clima de desconfiança nos resultados desportivos. Agora, eu pergunto: Acham mesmo que este é um trabalho para um gestor financeiro, ou para um empresário da construção civil, ou para um dirigente desportivo em começo de carreira, após doze anos passados em Itália, ou para um candidato director de um canal de televisão? Quantos anos é que os benfiquistas vão levar até perceber que o problema do clube não passa pela qualidade dos projectos, pela qualidade das pessoas, mas é um problema de perfil presidencial, um problema de competir num ambiente contaminado pelo favorecimento institucional e pela cristalização de um modelo desigual de tratamento dos clubes?
Eu sei que os benfiquistas querem ganhar. Mas devem, finalmente, começar a pensar onde é que se começam a ganhar campeonatos. E os campeonatos, antes de se ganhar no campo, começam a ganhar-se no perfil presidencial de cada clube. Vejam o exemplo do clube que domina em Portugal e tentem adivinhar o que seria desse clube com um presidente que, além do FC Porto, ainda tivesse a preocupação de gerir os seus negócios.